05 outubro, 2010

A Dúvida de Cézanne – texto de Merleau-Ponty

O texto trata da análise de vida e obra de Cézanne, contando um pouco de seu passado, e nos fazendo entender melhor a personalidade e o gênio do pintor. Como desde a escola sofria de acessos coléricos, de como se isolou em sua timidez, de sua indecisão.

O pintor demora se estabelecer e somente na maturidade encontra um ambiente propício, no retorno ao seu lar de infância; aos poucos perde ao contato com os homens e não sabe mais se socializar. Evita amigos e contato físico; deixa-se isolar em sua fuga da humanidade.

Mas esse aspecto fugidio do pintor não reflete sua verdadeira capacidade e muito menos o sentido de sua obra. Cézanne procurou provocar os sentimentos, tentou conceber a natureza como ela se apresentava para ele, como um estudo preciso de aparências. Tentava restituir o movimento através de toques justapostos, de uma pintura já diferente dos impressionistas. Cézanne busca de maneira diversa destes a sua obra; usa de mais cores, menos contornos, os objetos parecem brilhar do interior, parecem ter solidez.

A pintura de Cézanne seria um paradoxo: procurar a realidade sem abandonar as sensações, sem ter outro guia senão a natureza na impressão imediata, sem delimitar os contornos, sem enquadrar a cor pelo desenho, sem compor a perspectiva ou o quadro. A partir disso, Merleau-Ponty nos mostra que a obra do pintor é muito mais que isso. Cézanne era no fundo alguém avesso a alternativas prontas, não eram só sentidos, nem só inteligência; a linha divisória estava entre a ordem espontânea das coisas percebidas e a ordem humana das idéias e das ciências.


Ele trata da perspectiva de modo vívido e não geométrico. Coloca então em sua obra esse enfoque mais próximo da percepção humana do que da fotográfica, além de alterar os efeitos de cores para ter um melhor efeito de realidade, onde objetos surgem a se aglomerar sob o olhar. Os contornos são deformados para trazer o momento nascente de percepção da delimitação de um objeto.

A vida e a obra do pintor se confundem; se completam e se interpenetram. Seria a pintura uma válvula de escape de sua esquizoidia, algo como uma fuga de realidade, uma tentativa permanente de contato com sua realidade interior? Ou apenas não podemos separar os problemas de Cézanne de sua pintura porque ela o assim exigia?

De tudo que é analisado em sua obra, Merleau-Ponty nos dá uma dimensão de Cézanne que remete a um questionamento fundamental: a maneira com que percebemos a realidade e a maneira que a expressamos a outros podem carregar um valor de verdade e pureza genuínos? Cézanne abusou de sua sensibilidade ao tentar retratar a realidade, o mundo que observava. De sua perspectiva distante-próxima resultaram suas obras e seu legado. Merleau-Ponty resgata o ponto de discussão acerca do sentido de existência do pintor, que nos dá imensa ajuda para refletir sobre o sentido individual de cada ser pensante, atuante desse jogo de sombras, cores e perspectivas que é a vida humana.


2 comentários:

  1. (...)"a maneira com que percebemos a realidade e a maneira que a expressamos a outros podem carregar um valor de verdade e pureza genuínos?" Como tu, Alex, pensaria este questionamento através do impressionismo-cubismo de Cézanne?

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  2. Boa pergunta. Por isso a expressei no texto, por não ter uma resposta. Quanto ao impressionismo-cubismo, não conheço arte tão profundamente para arriscar algo elaborado, mas posso tentar dar uma resposta de acordo com o que conheço de Cézanne pela ótica de Merleau-Ponty.
    Penso que que sim, a realidade pode ser captada de alguma forma por nossos sentidos, por nossa mente. Se é toda ou parte da realidade não faz diferença, algo é captado. Isso é o que Cézanne tenta demonstrar com sua obra, com os traços não definidos, com as cores. Ele a capta e quer colocar esse momento de captação, essa percepção, à mostra para todos poderem ver. O valor de verdade reside aí, nessa tentativa de expressar o que se capta, de modo honesto. Se vai ser totalmente igual ou mesmo deturpado, aiunda carrega algo do que foi captado, algo do real. Uma ínfima parte, mas mesmo assim, puro e real.

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